Nikita era a rapariga mais bela da sua escola. E, mesmo sem
estudar, nunca reprovava, pois conseguia seduzir a maior parte dos professores
com os seus atributos físicos.
Ao sair das aulas, jovens e até homens já maduros
perseguiam-na nos seus carros luxuosos e um deles, oficial do exército de alta
patente, acabou por engravidá-la o que a obrigou a desistir dos estudos para
casar.
Foi um casamento pomposo, servido num dos melhores hotéis da
cidade e que deixou nos convidados uma recordação indelével.
A lua-de-mel foi passada no estrangeiro e, quando voltaram,
Nikita passou a viver num verdadeiro palacete. Nada lhe faltava, excepto a
presença do marido, homem ocupadíssimo que, por razões profissionais, era
obrigado a viajar constantemente.
Por este motivo, não tardou que a jovem passasse a enganá-lo
com os próprios amigos que não perdiam a oportunidade de usufruir dos favores
de uma mulher tão sedutora.
A vida decorria como um conto de fadas para Nikita, entre o
luxo, o conforto e excitantes amores furtivos, até ao dia em que o marido
morreu num acidente de viação, a caminho de Tete.
A jovem recebeu os seis meses de subsídio a que tinha direito
como viúva, mas a viatura de luxo em que circulava com o motorista foi lhe
retirada. Deixaram-na com a casa e com dois carros, um dos quais foi logo
vendido para fazer face às despesas mais imediatas.
Os filhos passaram a ir à escola a pé e Nikita, que no tempo
do marido nunca sentira necessidade de tirar carta de condução e se recusava a
andar de chapa, preferia não sair de casa.
Sem dinheiro para contratar um motorista e sem saber conduzir
o carro que lhe restava, este de nada lhe servia. Resolveu então, pedir auxílio
ao seu último amante que se prontificou a levá-la aonde ela quisesse ir, sempre
que estivesse disponível.
Nikita agradecia-lhe por esse favor com almoços e jantares
onde não faltavam bons vinhos, frango grelhado e bifes com batatas fritas, seus
pratos preferidos.
A certa altura só Jojó, (assim se chamava o amante de Nikita)
é que se deliciava com tais iguarias. Ela e os filhos tinham que se contentar
com peixe seco ou carapau, matapa e
farinha de milho.
É que o dinheiro do subsídio de viuvez e da venda do carro
desaparecia a olhos vistos e Nikita começou a vender as jóias e até peças
valiosas do rico mobiliário que tinha em casa. E os amigos que dantes enchiam o
seu salão foram desaparecendo um a um.
Por fim, o carro deixou de trabalhar porque o motor tinha
gripado e a reparação era muito cara fornecendo um bom pretexto a Jojó para
deixar de aparecer.
Nikita viu-se assim sem dinheiro, sem carro, sobretudo, sem
amigos. Ainda por cima o relacionamento com os filhos deteriorava-se dia-a-dia.
O tempo passava e ela não encontrava qualquer saída para a sua
situação até que o desespero lhe deu coragem para procurar de novo o ex-amante
Jojó.
Este recebeu-a de mau humor, avisando-a que tinha de tratar de
assuntos urgentes e dispunha de pouco tempo para a atender. Só depois de Nikita
lhe dizer que pretendia vender a casa e precisava de seu auxílio para
concretizar a venda é que o homem lhe prestou atenção.
– Tens razão. –
Comentou, já todo animado – uma casa
daquelas na zona da Polana pode render bom dinheiro. Olha, para comemorar esta
ideia convido-te a jantar fora. Eu pago!
O processo de venda foi breve e bem sucedido pois tratava-se
de uma excelente vivenda situada numa zona considerada chique. Jojó dirigiu
todo o negócio. Foi ele também quem alugou um apartamento no Bairro Central,
para onde Nikita e os filhos se mudaram; contra vontade destes que nunca
concordaram com a venda da casa deixada pelo falecido pai.
– A mãe ainda se vai
arrepender da venda da nossa casa. Era melhor alugá-la, ao menos era um
dinheiro certo ao fim do mês, – avisou-a o filho, profeticamente.
Nikita porém, parecia firmemente convencida que a enorme soma
de dinheiro que havia recebido pela venda da casa seria inesgotável. Assim,
voltaram aos tempos das bebidas finas e da boa comida. Os filhos foram enviados
para um colégio sul-africano, como passou a ser moda entre os membros das
elites da terra. Jojó foi incumbido de comprar um carro novo e, como a viatura
tinha matrícula estrangeira, alvitrou que toda a documentação ficasse em seu
nome visto que, sendo militar, ser-lhe-ia mais fácil e menos cara a mudança da
matrícula na alfândega.
Com tantas despesas e nenhuns rendimentos, em menos de seis
meses Nikita gastou mais de metade do dinheiro recebido pela venda da casa o
que a levou a procurar um apartamento mais modesto da Malhangalene, um bairro
bastante degradado, e os filhos foram obrigados a regressar da África do Sul no
meio do ano lectivo.
Jojó aparecia cada vez mais raramente e quando Nikita lhe
pedisse para devolver o carro e mudar a documentação para o seu nome, Jojó
argumentava que a mudança de matrícula não tinha sido tão barata como ele
pensara, que tinha sido traído pelos amigos, apresentando sempre desculpas sem
nexo.
Nikita começou a dever a renda do apartamento e por fim foi
despejada, acabando por se mudar para uma dependência onde mal cabia com os
filhos.
Entretanto Jojó deixou de aparecer. Desesperada, Nikita
procurou-o para exigir a devolução do seu carro.
– O carro é meu! Está em
meu nome e bem podes ir queixar-te onde quiseres. Legalmente a viatura é minha
– respondeu o homem, com o maior à vontade.
O desespero de Nikita era tão grande que chegou a pensar em
suicídio, não fosse a feliz circunstância de o filho ter conhecimentos de
inglês que lhe permitiram arranjar um emprego numa ONG que lhe pagava em
dólares.
Porém, não tardou que ele abandonasse o seu emprego para ir
viver com uma mulher mais velha que a própria mãe. Para o ter sempre junto
dela, a senhora associou-o aos seus negócios que, para além de rentáveis, não o
sujeitavam a um horário fixo.
Um dia o jovem foi informar a desolada Nikita que a velha
queria casar com ele e exigia que a data do casamento fosse anunciada na
cerimónia de lobolo.
– Não se preocupe mãe
– argumentava ele – não vai custar nada.
É só uma cerimónia e nós compramos tudo o que é preciso, de acordo com a tradição.
Ninguém vai saber quem fez as despesas.
– Ai é? – replicou a
Nikita, chamando a si a dignidade que ainda lhe restava – comigo não contem. Não tenho casa nem dinheiro mas já estou farta de
tanta humilhação. – Primeiro, essa mulher obriga-te a largar o emprego e os
estudos. – Faz de ti um objecto. – Que traga aqui mucumes e as vembas, as alianças, o fato completo,
os sapatos, gravata, camisa, garrafão de vinho e o dinheiro para o lobolo.
Nikita já não podia falar e desatou aos soluços e chorou como
uma perdida. Nem o filho conseguiu consolá-la. Esta sua atitude separou-a
definitivamente da companheira do filho e mesmo este passou a evitá-la.
Entretanto, o dinheiro escassava cada vez mais e talvez para fugir a tantos
problemas e dificuldades, a filha de Nikita, de apenas 14 anos, decidiu ir
viver com um homem, também muito mais velho do que ela.
Nikita, por hostilizar abertamente os companheiros dos filhos,
viu-se praticamente abandonada por estes. E a sua situação deteriorou-se de tal
maneira que já nem conseguia pagar a renda da dependência onde vivia, acabando
por ser despejada.
Teve que recorrer à caridade de uma amiga de infância que a
aceitou provisoriamente, em sua casa. Através da referida amiga conseguiu que
uma hospedeira de bordo lhe fornecesse lençóis vindos de Portugal, para vender.
O negócio não era muito rentável mas sempre dava para Nikita
fazer face às despesas mais prementes sem recorrer aos filhos que viviam à
custa dos respectivos companheiros que a detestavam. Porém, um dia não resistiu
à tentação de gastar todo o dinheiro que tinha angariado com a última remessa
de lençóis e, quando a hospedeira apareceu para levar a percentagem que lhe
cabia, deu uma desculpa e pediu que ela a procurasse no dia seguinte.
Depois de vários adiamentos acabou por passar um cheque sem
provisão. A hospedeira não perdeu mais tempo e apresentou queixa à polícia:
Nikita foi detida por burla e abuso de confiança.
Desta vez, quando soube do sucedido, o filho embora
contrariando a companheira, apareceu em seu socorro. Pagou metade da dívida,
comprometendo-se a pagar o restante em data acordada perante a autoridade.
Nikita saiu da prisão mas perdeu o negócio dos lençóis e a
amiga que a acolhia não perdia ocasião de a lembrar que sua oferta era
temporária.
Desnorteada, passou a frequentar a Igreja Universal do Reino
de Deus, orava, jejuava, fazia “correntes” e acabou por vender as poucas jóias que
lhe restavam para pagar o dízimo.
Entretanto, a filha com apenas 15 anos teve um filho do velho
com quem vivia. E, embora contra vontade deste, a pretexto de ir cuidar do
neto, Nikita conseguiu acoitar-se em sua casa.
Hoje, sem um canto seu, sem dinheiro, totalmente dependente
dos filhos, é uma mulher amarga, de rosto marcado e cabeça toda branca, que já
nem se recorda do tempo em que era a rapariga mais bela da sua escola.
Sem comentários:
Enviar um comentário