sexta-feira, 10 de outubro de 2014

NIKITA



Nikita era a rapariga mais bela da sua escola. E, mesmo sem estudar, nunca reprovava, pois conseguia seduzir a maior parte dos professores com os seus atributos físicos.
Ao sair das aulas, jovens e até homens já maduros perseguiam-na nos seus carros luxuosos e um deles, oficial do exército de alta patente, acabou por engravidá-la o que a obrigou a desistir dos estudos para casar.
Foi um casamento pomposo, servido num dos melhores hotéis da cidade e que deixou nos convidados uma recordação indelével.
A lua-de-mel foi passada no estrangeiro e, quando voltaram, Nikita passou a viver num verdadeiro palacete. Nada lhe faltava, excepto a presença do marido, homem ocupadíssimo que, por razões profissionais, era obrigado a viajar constantemente.
Por este motivo, não tardou que a jovem passasse a enganá-lo com os próprios amigos que não perdiam a oportunidade de usufruir dos favores de uma mulher tão sedutora.
A vida decorria como um conto de fadas para Nikita, entre o luxo, o conforto e excitantes amores furtivos, até ao dia em que o marido morreu num acidente de viação, a caminho de Tete.
A jovem recebeu os seis meses de subsídio a que tinha direito como viúva, mas a viatura de luxo em que circulava com o motorista foi lhe retirada. Deixaram-na com a casa e com dois carros, um dos quais foi logo vendido para fazer face às despesas mais imediatas.
Os filhos passaram a ir à escola a pé e Nikita, que no tempo do marido nunca sentira necessidade de tirar carta de condução e se recusava a andar de chapa, preferia não sair de casa.
Sem dinheiro para contratar um motorista e sem saber conduzir o carro que lhe restava, este de nada lhe servia. Resolveu então, pedir auxílio ao seu último amante que se prontificou a levá-la aonde ela quisesse ir, sempre que estivesse disponível.
Nikita agradecia-lhe por esse favor com almoços e jantares onde não faltavam bons vinhos, frango grelhado e bifes com batatas fritas, seus pratos preferidos.
A certa altura só Jojó, (assim se chamava o amante de Nikita) é que se deliciava com tais iguarias. Ela e os filhos tinham que se contentar com peixe seco ou carapau, matapa e farinha de milho.
É que o dinheiro do subsídio de viuvez e da venda do carro desaparecia a olhos vistos e Nikita começou a vender as jóias e até peças valiosas do rico mobiliário que tinha em casa. E os amigos que dantes enchiam o seu salão foram desaparecendo um a um.
Por fim, o carro deixou de trabalhar porque o motor tinha gripado e a reparação era muito cara fornecendo um bom pretexto a Jojó para deixar de aparecer.
Nikita viu-se assim sem dinheiro, sem carro, sobretudo, sem amigos. Ainda por cima o relacionamento com os filhos deteriorava-se dia-a-dia.
O tempo passava e ela não encontrava qualquer saída para a sua situação até que o desespero lhe deu coragem para procurar de novo o ex-amante Jojó.
Este recebeu-a de mau humor, avisando-a que tinha de tratar de assuntos urgentes e dispunha de pouco tempo para a atender. Só depois de Nikita lhe dizer que pretendia vender a casa e precisava de seu auxílio para concretizar a venda é que o homem lhe prestou atenção.
Tens razão. – Comentou, já todo animado – uma casa daquelas na zona da Polana pode render bom dinheiro. Olha, para comemorar esta ideia convido-te a jantar fora. Eu pago!
O processo de venda foi breve e bem sucedido pois tratava-se de uma excelente vivenda situada numa zona considerada chique. Jojó dirigiu todo o negócio. Foi ele também quem alugou um apartamento no Bairro Central, para onde Nikita e os filhos se mudaram; contra vontade destes que nunca concordaram com a venda da casa deixada pelo falecido pai.
A mãe ainda se vai arrepender da venda da nossa casa. Era melhor alugá-la, ao menos era um dinheiro certo ao fim do mês, – avisou-a o filho, profeticamente.
Nikita porém, parecia firmemente convencida que a enorme soma de dinheiro que havia recebido pela venda da casa seria inesgotável. Assim, voltaram aos tempos das bebidas finas e da boa comida. Os filhos foram enviados para um colégio sul-africano, como passou a ser moda entre os membros das elites da terra. Jojó foi incumbido de comprar um carro novo e, como a viatura tinha matrícula estrangeira, alvitrou que toda a documentação ficasse em seu nome visto que, sendo militar, ser-lhe-ia mais fácil e menos cara a mudança da matrícula na alfândega.
Com tantas despesas e nenhuns rendimentos, em menos de seis meses Nikita gastou mais de metade do dinheiro recebido pela venda da casa o que a levou a procurar um apartamento mais modesto da Malhangalene, um bairro bastante degradado, e os filhos foram obrigados a regressar da África do Sul no meio do ano lectivo.
Jojó aparecia cada vez mais raramente e quando Nikita lhe pedisse para devolver o carro e mudar a documentação para o seu nome, Jojó argumentava que a mudança de matrícula não tinha sido tão barata como ele pensara, que tinha sido traído pelos amigos, apresentando sempre desculpas sem nexo.
Nikita começou a dever a renda do apartamento e por fim foi despejada, acabando por se mudar para uma dependência onde mal cabia com os filhos.
Entretanto Jojó deixou de aparecer. Desesperada, Nikita procurou-o para exigir a devolução do seu carro.
O carro é meu! Está em meu nome e bem podes ir queixar-te onde quiseres. Legalmente a viatura é minha – respondeu o homem, com o maior à vontade.
O desespero de Nikita era tão grande que chegou a pensar em suicídio, não fosse a feliz circunstância de o filho ter conhecimentos de inglês que lhe permitiram arranjar um emprego numa ONG que lhe pagava em dólares.
Porém, não tardou que ele abandonasse o seu emprego para ir viver com uma mulher mais velha que a própria mãe. Para o ter sempre junto dela, a senhora associou-o aos seus negócios que, para além de rentáveis, não o sujeitavam a um horário fixo.
Um dia o jovem foi informar a desolada Nikita que a velha queria casar com ele e exigia que a data do casamento fosse anunciada na cerimónia de lobolo.
Não se preocupe mãe – argumentava ele – não vai custar nada. É só uma cerimónia e nós compramos tudo o que é preciso, de acordo com a tradição. Ninguém vai saber quem fez as despesas.
Ai é? – replicou a Nikita, chamando a si a dignidade que ainda lhe restava – comigo não contem. Não tenho casa nem dinheiro mas já estou farta de tanta humilhação. – Primeiro, essa mulher obriga-te a largar o emprego e os estudos. – Faz de ti um objecto. – Que traga aqui mucumes e as vembas, as alianças, o fato completo, os sapatos, gravata, camisa, garrafão de vinho e o dinheiro para o lobolo.
Nikita já não podia falar e desatou aos soluços e chorou como uma perdida. Nem o filho conseguiu consolá-la. Esta sua atitude separou-a definitivamente da companheira do filho e mesmo este passou a evitá-la. Entretanto, o dinheiro escassava cada vez mais e talvez para fugir a tantos problemas e dificuldades, a filha de Nikita, de apenas 14 anos, decidiu ir viver com um homem, também muito mais velho do que ela.
Nikita, por hostilizar abertamente os companheiros dos filhos, viu-se praticamente abandonada por estes. E a sua situação deteriorou-se de tal maneira que já nem conseguia pagar a renda da dependência onde vivia, acabando por ser despejada.
Teve que recorrer à caridade de uma amiga de infância que a aceitou provisoriamente, em sua casa. Através da referida amiga conseguiu que uma hospedeira de bordo lhe fornecesse lençóis vindos de Portugal, para vender.
O negócio não era muito rentável mas sempre dava para Nikita fazer face às despesas mais prementes sem recorrer aos filhos que viviam à custa dos respectivos companheiros que a detestavam. Porém, um dia não resistiu à tentação de gastar todo o dinheiro que tinha angariado com a última remessa de lençóis e, quando a hospedeira apareceu para levar a percentagem que lhe cabia, deu uma desculpa e pediu que ela a procurasse no dia seguinte.
Depois de vários adiamentos acabou por passar um cheque sem provisão. A hospedeira não perdeu mais tempo e apresentou queixa à polícia: Nikita foi detida por burla e abuso de confiança.
Desta vez, quando soube do sucedido, o filho embora contrariando a companheira, apareceu em seu socorro. Pagou metade da dívida, comprometendo-se a pagar o restante em data acordada perante a autoridade.
Nikita saiu da prisão mas perdeu o negócio dos lençóis e a amiga que a acolhia não perdia ocasião de a lembrar que sua oferta era temporária.
Desnorteada, passou a frequentar a Igreja Universal do Reino de Deus, orava, jejuava, fazia “correntes” e acabou por vender as poucas jóias que lhe restavam para pagar o dízimo.
Entretanto, a filha com apenas 15 anos teve um filho do velho com quem vivia. E, embora contra vontade deste, a pretexto de ir cuidar do neto, Nikita conseguiu acoitar-se em sua casa.

Hoje, sem um canto seu, sem dinheiro, totalmente dependente dos filhos, é uma mulher amarga, de rosto marcado e cabeça toda branca, que já nem se recorda do tempo em que era a rapariga mais bela da sua escola.

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